O
Museu Militar[1] é um órgão de natureza cultural
depositário e expositor do espólio de interesse histórico-militar, com
possibilidade para garantir um destino unitário, designadamente a bens
culturais militares e valorizá-los através da investigação, incorporação, inventário,
documentação, conservação, interpretação, exposição e divulgação, com objetivos
científicos, educativos e lúdicos, incluindo o acesso regular ao público.
Consideram-se Museus Militares[2]
as instituições, com diferentes designações, que apresentem as características
e cumpram as funções museológicas previstas para os museus.
A
Coleção Visitável Militar é o
conjunto de bens culturais militares conservados e expostos em instalações ou
espaços especialmente afetos a esse fim, numa unidade/estabelecimento/órgão
(U/E/O), mas que não reúna os meios que permitam o pleno desempenho de todas as
funções museológicas. A Coleção Visitável Militar está exposta na sala de
história, sala de honra, gabinetes, bibliotecas ou outros espaços nobres da
U/E/O, em função do respetivo historial, da área funcional caracterizadora e
das instalações disponíveis, consoante as características das peças
museológicas.
A temática que me[3]
apraz divulgar incide sobre os Museus Militares e as Coleções Militares
Visitáveis, pois é um tema estimulante, muito emotivo e que deve ser considerado
e tratado com ponderação, mas não poderá ser ignorado, nunca.
Toda a época deve reinventar o seu
próprio projeto de imaterialidade e mística própria, e os espaços museológicos
do Exército/DHCM são a prova dada de que essa mística existe e que o acervo que
a encerra está permanentemente a ser reavaliado e reinventado. É uma incumbência
do nosso tempo e nossa responsabilidade, estudar, conhecer, inventariar, atualizar
e reinventar, conservar e divulgar as coleções, tendo em consideração as suas
diferentes origens e mediante o conhecimento da transformação cultural e global
que a sociedade nos merece.
Como tenho vindo sistematicamente a defender, o espaço museológico[4] militar tem a finalidade de conservar, valorizar, estudar e essencialmente expor para o deleite e a educação do público as suas coleções e os seus ricos acervos. Os nossos espaços museológicos do Exército preenchem o seu espaço no seio do mundo museológico do nosso país, e a experiência que em si encerram tem vindo a ser devidamente aproveitada, melhorada e atualizada desde o ano de 1851 quando foi inaugurado o Museu Militar de Lisboa. Estas Instituições preenchem espaços distintos, mas com um extraordinário, único e rico valor histórico, cultural, turístico e até económico, onde se desenvolvem minuciosamente os aspetos museológicos e museográficos inerentes a um Museu e/ou Coleção Militar Visitável.
Museu Militar de Lisboa (Sala da Grande Guerra), um dos ex-libris da museologia militar do Exército.
É oportuno aqui destacar que, no
final do século passado, assistimos a uma viragem de página muito
significativa, em todos os continentes, no que se refere aos objetivos globais
dos Museus. Os critérios de seleção e de interpretação das coleções e a
comunicação com o público, eram “bandeiras” da época. Essa mudança foi também
paulatinamente sendo implementada nos espaços museológicos do Exército, e essa
simbiose perfeita entre todos estes espaços com todos os públicos já está há muito devidamente inserida nos cotidianos de
todos os que com a cultura museológica militar lidam.
Exemplo de uma parceria internacional que envolve a realização de diversas atividades, desde 2020, e integra o Município de Almeida o MHMA e o CEAMA, a DHCM e a RepMus e ainda a DPHCEx e o MHE-FC.
Os Museus/Coleções Visitáveis Militares assentam em boas práticas técnico-profissionais, pois há a consciência férrea de que os seus profissionais executem com esmerado zelo aquilo que os “edifícios” onde laboram assim como a sua própria deontologia lhes exigem; em primeiro lugar, inventariar, investigar o percurso de cada peça, e posteriormente disponibilizar publicamente toda a informação recolhida e tratada, permitindo nomeadamente o acesso dos investigadores à mesma e promovendo a elaboração de publicações técnicas e a realização de exposições temáticas. No caso dos Museus Militares muitas destas tarefas são realizadas em “partilha”, quer dizer, envolvem especialistas ou simples membros das comunidades locais/regionais que eventualmente ainda existam e podem legitimamente apoiar na realização dos produtos finais divulgados e apresentados.
A forma como, atualmente, olhamos
e definimos o Museu/Coleção Militar Visitável evolui ao ritmo das transmutações
que o Homem protagoniza, porém há um fio condutor que iguala as organizações
museológicas através do tempo e dos espaços: a curiosidade de preservar
memórias, produzir e divulgar conhecimento. Esta vontade de descodificar e
apreender os indícios materiais e imateriais das culturas humanas, proporcionou
desde sempre a determinação de colecionar testemunhos de formas de estar
diversas. O desejo de reunir nos espaços museológicos objetos diferentes, por
vezes longínquos, alguns exóticos, mais do que constante, está na origem de algumas
instituições museológicas. O desafio de criar e erigir saber continua a ser a solução
para comunicar e interpretar, com novos olhares adaptados aos novos contextos
emergentes.
Esta reflexão que hoje se
apresenta remata um ciclo de ponderação e análise conjunta que, esperamos, vir
a contribuir para manter o necessário foco num tema central nas preocupações
das instituições de património cultural. A Repartição de Museus (RepMus) da
DHCM, entendeu em conjunção com os Museus Militares e algumas Coleções
Militares Visitáveis ser oportuno alargar esta ponderação a toda a comunidade
museológica militar do Exército, por forma a integrar e dar conhecimento das
principais atividades que se desenvolvem, das atividades que podem ser
trabalhadas em rede, e as que podem ser alargadas a outras Instituições
(militares e/ou civis) de cariz homólogo.
Atualmente a DHCM através da
RepMus tem interações permanentes com a realização de atividades culturais e
recreativas/protocolos/seminários/ações de formação/exposições/parcerias de
cariz histórico-cultural-museológico com os Museus/Coleções Visitáveis
Militares do Exército, e adicionalmente mantém relações de parceria estreita
com outras Instituições de cariz museológico (nacionais e estrangeiras)[5].
A DHCM realiza periodicamente atividades de índole histórico-cultural em parceria com outras Instituições homólogas civis e militares, nacionais e estrangeiras.
As ricas perspetivas e diferenciadas reflexões que foram apuradas e partilhadas das atividades realizadas, contribuíram para que através do diálogo se acolhesse também o contraditório com o intuito único de criar conhecimento.
A RepMus/DHCM entendeu ser
oportuno dedicar as iniciativas/atividades que decorreram ao longo do ciclo
2017 ─ 2022 nos Museus
Militares e nas Coleções Militares Visitáveis a uma análise refletiva que
permitisse alavancar projetos adormecidos, incrementar parcerias planeadas e
sobretudo conseguir realizar e/ou participar em ações e outras atividades que
pelas restrições impostas pela pandemia geral que o mundo atravessa não fossem
viabilizadas (ex.: participação em
seminários, jornadas de trabalho, videoconferências, atividades de relações bilaterais,
ações de formação presenciais, recriações históricas, cerimónias de evocação de
batalhas, de entre outras que foram realizadas). Realçasse o fato de que a
partir de meados de 2017 a DHCM passou a colaborar com mais Instituições
Internacionais relacionadas com as temáticas da museologia, através da RepMus.
Da conjugação de esforços gerais,
envolvendo a DHCM, os Museus/Coleções Visitáveis Militares, e alguns parceiros
homólogos, foram assim de forma genérica realizadas as seguintes atividades
principais, no ciclo temporal referido:
- Realização de visitas técnicas periódicas aos Museus Militares na
dependência hierárquica da DHCM;
- Realização frequente de visitas de apoio técnico às Coleções Militares
Visitáveis;
- Participação anual nas candidaturas aos prémios
APOM, onde foram atribuídos anualmente vários prémios em todas as Cerimónias de
entrega de prémios, realizados em parceria com diversas Instituições
museológicas militares e civis;
- Participação, coordenação e realização de Seminários Internacionais no
CEAMA e na DHCM;
- Participação e realização de atividades[6] do ICOM e do ICOMAM[7];
Cartaz elaborado pela RepMus/DHCM, de acordo com as indicações do ICOM, para a publicitação do Dia Internacional dos Museus do corrente ano,
(o tema das atividades para 2022 é: “O Poder dos Museus”
- Participação periódica em recriações histórico-culturais;
- Participação frequente em cerimónias evocativas das nossas batalhas;
- Participação em ações de formação da RPM,
da DGPC, da DRCC, do CEFOP, assim como a coordenação da realização de diversas
ações de formação para atualização de processos por parte dos utilizadores da
base de dados In Arte Premium;
- Participação reiterada em diversas
videoconferências (a nível nacional e internacional) relacionadas com diversas
temáticas ligadas à museologia;
- Coordenação e apoio aos processos de candidatura da RPM do MML[8]
e do MHMA;
- Participação anual nas Jornadas de Primavera do ICOM Portugal;
- Participação anual nas Jornadas[9]
Europeias do Património;
- Participação e cooperação regular com
diversas atividades e iniciativas museológico-culturais (exposições, videoconferências, seminários, visitas, ações de formação,
etc.) com Instituições internacionais de índole semelhante.
Museu Militar do Porto, um dos 3 Museus Militares do Exército que pertencem à RPM
Os espaços museológicos têm o poder de serem portadores de
valores morais e éticos, e usufruírem de uma capacidade única para explicar o
que é difícil de entender e transmitir o que por vezes não pode ser falado. As
temáticas, por mais complicadas, dolorosas ou “desagradáveis” que possam aos
mais incautos parecer, definem claramente a sua missão, os seus valores, as
suas visões, os seus objetivos e as suas capacidades. Os espaços museológicos
têm um poder insubstituível para explicar, esclarecer e ajudar a construir as
sociedades, identidades locais e nacionais e responsabilidades sociais nas
diversas comunidades.
Os espaços museológicos têm o poder de serem iniciadores de modificações
e avanços positivos, e de serem solucionadores ativos de crises e situações
inesperadas e tencionam reagir com flexibilidade à velocidade estonteante do
desenvolvimento do mundo. Devem olhar para o futuro e não ficar para trás,
reagindo às novas situações emergentes e transformando-as em novas e
concertadas oportunidades. Estes espaços, em todas as suas formas únicas, são
lugares que fazem a ponte entre passado, presente e futuro.
Os espaços museológicos também devem estar preparados,
porém, para as crises e situações de crise que o mundo moderno traz.
Os Museus e as Coleções Visitáveis Militares, segundo
convicção generalizada, não podem nem devem ignorar o desenvolvimento social ou
tecnológico, tencionam isso sim aceitar a realidade digital do século XXI e utilizá-la
como meio de divulgação e como tema de discussão.
Os Museus e as Coleções Visitáveis Militares criam ou
contribuem para uma ampla gama de projetos e parcerias; construindo e cuidando
de coleções e acervos, de edifícios históricos e outras instalações que exigem não
só capacidades e recursos, mas também imaginação inovadora e riqueza de ideias,
muitas vezes com elevada especialização e parcos recursos.
Os Museus e as Coleções Visitáveis Militares, enquanto
instituições públicas, são um modelo percetível de uma gestão cuidada, rigorosa
e altamente responsável e sustentável de acordo com a sua natureza e o meio
ambiente.
Os Museus Militares, mormente, estão no centro das faculdades criativas e sempre foram atores relevantes no turismo a nível regional e em certa medida até a nível nacional. Na atualidade, e numa altura em que a carência de turismo apresenta desafios, estes devem conseguir influenciar e contribuir decisivamente para uma certa quota de regulação e recanalização do excesso de volume turístico dos destinos saturados. Nos dias de hoje, os Diretores dos Museus Militares e as suas equipas têm uma importante tarefa de desafiar e encorajar a sociedade a desenvolver a mobilidade. A sociedade humana é assente em interações sociais e os museus são um dos lugares mais importantes onde isso é possível.
Aprofundar a reflexão em torno dos valores e práticas
subjacentes à conservação do património cultural foi um dos objetivos
relevantes deste artigo que agregou ideias trocadas entre especialistas e
responsáveis por diversas instituições,
do país e do estrangeiro, com uma ampla agenda de ponderações, designadamente
as que se referem ao papel dos Museus e das Coleções Visitáveis Militares na
conservação do património cultural: sua sensibilização, sua valorização, os
seus valores e as suas frequentes práticas.
O objetivo dos espaços museológicos deve ser cada vez mais
valorizado e tornado importante para a sociedade, sendo um lugar inspirador,
onde a produção de novos significados é estimulada, assim a vantagem será total
tanto para o indivíduo como para a comunidade onde se insere.
O espaço museológico do futuro será
resultado de um processo evolutivo que estamos a vivenciar atualmente,
pelo menos, assim se espera, logo estes espaços necessitam de contemplar novos
objetivos para suplantar um tempo chave para a sua vivência, tempo este
que previsivelmente levará a uma transformação no modo como se percebem e
contribuem as suas ações na vida contemporânea.
O espaço museológico do futuro deverá estar preocupado com
o pensamento crítico dos seus visitantes no que respeita à sua
participação envolvente na sociedade, para que assim se consiga captar um maior
interesse na troca de conhecimento, informações e pontos de vista que se poderão
desenvolver e realizar. Deve cada vez mais tornar-se um local de encontro para
discussões e diálogo acerca dos acontecimentos e mais que isso, estimular e
apresentar esses quesitos aos seus visitantes. Procurar a partilha e a ligação de
conhecimento com os seus visitantes, de maneira a discutir ideias/projetos e
assim dar vida e criar não só novas investigações, como também novas exposições.
Valorizar e incrementar igualmente o conhecimento criado no universo académico,
para assim alargar os limites do conhecimento que é criado apenas no interior
do espaço museológico. Não descurar nem tão pouco apartar também a via da cultura
digital, realidade que revolucionou o modo como acedemos, criamos e consumimos
os conteúdos que procuramos.
O espaço museológico do futuro
deverá ser Emocional, Cooperativo, Participativo, e incrementar a partilha e a
divulgação dos seus Conteúdos/Coleções/Acervos.
O caminho a seguir terá de ser bem alicerçado,
poderão existir posições discordantes;
[1] A designação de Museu Militar e Coleção Militar Visitável está em conformidade com as Normas Gerais dos Museus e Coleções Visitáveis do Exército.
[2] O Exército tem na sua dependência estrutural 6 Museus Militares (4 na dependência da Direção de História e Cultura Militar (DHCM) e os outros 2 na dependência das Zonas Militares da Madeira e dos Açores) e 37 Coleções Militares Visitáveis.
[3] O Coronel António
Velez é o chefe da Repartição de Museus da DHCM desde dezembro de 2016.
[4] Museu e/ou Coleção
Militar Visitável.
[5] Nacionais: Associação Portuguesa de Museologia (APOM); Direção Geral do Património Cultural (DGPC); Rede Portuguesa de Museus (RPM); ICOM Portugal; Polícia de Segurança Pública (PSP); e ainda o Museu Histórico Militar de Almeida (MHMA), o Centro de Estudos de Arquitectura Militar de Almeida (CEAMA); o Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro (CIBV); o Centro de Formação de Professores de Conimbriga (CEFOP) e a Direção Regional de Cultura do Centro (DRCC).
Estrangeiras: International
Council of Museums (ICOM); International Committee for Museums and Collections
of Arms and Military History (ICOMAM); o Museu Historico do Exército – Forte de
Copacabana (MHE-FC) e a Diretoria do Patrimonio Histórico-e Cultural do
Exército Brasileiro; o Alcazar Museu do Exército Espanhol (Toledo/Espanha); o
Museu Etnográfico da Eslovénia (Liubliana) e o Instituto de Estudos Políticos
da Defesa e História Militar da Roménia (Bucareste).
[6] ICOM: Dia Internacional dos Monumentos e Sítios (18 abril);
Noite Europeia de Museus e Dia Internacional dos Museus (18 maio). Este ano
realiza-se a XXVI Conferência Geral trianual em Praga.
ICOMAM: Videoconferências e reuniões anuais. Participação no debate e apresentação de proposta concreta para a atualização da definição mundial de Museu.
[7] O Coronel António Velez é membro efetivo do Conselho Executivo do ICOMAM desde 2019, e a sua colaboração será prolongada até 2025.
[8] A integração do MML na RPM, demorou cerca de 3 anos e culminou com a plena integração em 2021 (D.R. de 23 de agosto). Os outros Museus Militares que pertencem à RPM são o Museu Militar do Porto e o Museu Militar de Elvas.
[9] As Jornadas Europeias
do Património têm lugar normalmente no mês de setembro. É uma iniciativa
conjunta do Conselho da Europa e da Comissão Europeia. A organização em
Portugal é da responsabilidade da Direção-Geral do Património Cultural.
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