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O CONFLITO ISRAELO-PALESTINIANO OUTROS CONFLITOS BÉLICOS: REFUGIADOS, DIREITO INTERNACIONAL, CRIMES DE GUERRA

Maria Adelaide Neto de Mascarenhas Pacheco Doutorada em Filosofia Professora de Filosofia e Psicologia no ensino secundário, jubililada I ...

domingo, 14 de julho de 2024

O CONFLITO ISRAELO-PALESTINIANO OUTROS CONFLITOS BÉLICOS: REFUGIADOS, DIREITO INTERNACIONAL, CRIMES DE GUERRA


Maria Adelaide Neto de Mascarenhas Pacheco
Doutorada em Filosofia
Professora de Filosofia e Psicologia no ensino secundário, jubililada

Introdução

O conflito israelo-palestiano tem-se arrastado há mais de um século, oscilando entre períodos de violência, sucedidos por períodos maiores de acalmia, em que, saindo fora dos noticiários, é rapidamente esquecido tanto pela opinião pública como pela ordem de trabalhos das instituições internacionais.
No funesto dia de 7 de outubro, o ataque do Hamas a Israel, matando 1.200 pessoas, a maioria dos quais civis e raptando 200e tal cidadãos de várias idades e nacionalidades veio, com uma eficácia perturbadora, colocar a questão palestiniana no centro da política internacional.

A sucessão de ações e reação que se seguiram a essa violência inaugural, desafiam todos os dias os nossos piores pesadelos, e ultrapassaram um limiar, que não sabemos definir com rigor e que não é apenas o de número desproporcioanal dos 12.000 mortos na faixa de GAZA

Quer sobre os dirigentes israelitas, entregues à ubris da vingança , quer sobre os palestinianos indefesos e martirizados por muitos anos de subjugação e privação de direitos políticos, parece pairar a fatalidade de um destino trágico.

A eficácia das forças armadas de Israel esbarra contra a realidade da nossa condição tecnológica, sendo incapaz de impor o Blak out total da informação. O sistema de satélites , que é usado pelos combatentes como um dos instrumentos das guerras modernas , permite também que as imagens rompam o cerco à faixa de Gaza; chegam até nós, em direto, as imagens cruas da destruição de 80% da cidade de Gaza, o bombardeamento do hospital de Al-Shifa, do Hospital Indonésio e do hospital pediátrico de AL-Rantisi, , vemos a destruição das Escolas das Nações Unidas que serviam de abrigo às populações; assistimos, como estupefação ao bombardeamento da Mesquita Khaled Bem al-Walid, no sul de Gaza e de uma igreja cristã ortodoxa, onde se abrigavam famílias palestinianas em fuga, assim como aos ataques ao campo de refugiados de Jabalia onde ocorreram cerca de 200 mortos civis,

Apanhados nesse “sem distância “das tecnologias de informação, que nos permite estar no meio da guerra , não estando, e vendo os cadáveres alinhados de algumas das 4000 crianças mortas em Gaza, somos como que tomados pelos mesmos sentimentos de piedade e terror com que os antigos cidadãos de Atenas assistiam aos espetáculos do Teatro Trágico. E os cidadãos comuns da Palestina, diante das câmaras, interpelam- nos diretamente, desafiando a nossa indiferença, como a mesma coragem e a mesma espantosa dignidade com que Antígona desafiava os poderosos do mundo em nome do direito mais antigo de poder enterrar e chorar os seus mortos.

Todos sentimos que nesta guerra transmitida em direto, e talvez por causa desse sem distância criado pela técnica, está em causa algo mais fundamental que as rivalidades políticas, que os conflitos ideológicos, ou a cotação na bolsa do barril de petróleo, de que, no entanto, depende o nosso conforto.

É talvez por isso que a comunicação social main stream , que constantemente convoca o juízo da de especialistas e opinion makers para a formação da opinião pública, já não consegue impor o constrangimento, que pretende levar-nos a pensar “como deve-ser”, nem consegue destituir toda a veleidade da formação pessoal do juízo.

Contra todas as expetativas, perante inépcia e as hesitações dos seus governantes, os cidadãos do mundo inteiro, incluindo os de Israel e dos Estados Unidos, estão a fazer ouvir aquilo que a filosofia designa como “razão pública” e libertam o espaço público para a manifestação do que entendem ser o bem comum.

Este movimento de massas que se materializa em manifestações pacíficas, e se desdobra em vigílias, cartas, petições e abaixo-assinados, tentando pressionar os seus próprios governos, tem, apesar da sua aparente incapacidade de infletir o sentido das decisões políticas e alterar o curso dos acontecimentos, um significado distintivo: os cidadãos sobrepõem-se às diferenças histórico-linguísiticas e civilizacionais, e reivindicam a pertença a uma humanidade comum, sendo, nessa reivindicação, mais fiéis à filosofia dos direitos humanos do que o Conselho de Segurança das Nações Unidas que supostamente os deveria garantir.

Porque penso que a filosofia pode contribuir, de algum modo, para o esclarecimento e a formação dessa razão pública, proponho discutir convosco, em diálogo com alguns pensadores contemporâneos as três questões seguintes: qual a origem do conflito do conflito israelo-palestiniano? Por que razão a guerra na faixa de Gaz não é uma guerra justa? Por que são as instituições internacionais incapazes de resolver o conflito?

O conflito israelo-palestiniano interessou vários pensadores contemporâneos : o caso mais conhecido é talvez o de Ana Arendt, destacada filósofa judia alemã emigrada para os Estados Unidos durante a segunda guerra mundial, mas é o caso também de Bertrand Russel, de Michael Walzer, e , recentemente, os casos de Judith Butler, e ainda o do prestigiado pensador e ativista político Chomsky ou de Ilan Pappe, historiador israelita.

Por que razão este conflito tem interessado os filósofos e, mais geralmente os pensadores no âmbito ciências humanas? Nalguns casos, porque eles próprios têm a condição de judeus e, por isso, se sentem particularmente concernidos por esse tema, noutros porque, como cidadãos do mundo, divisaram aí um conflito que não tem apenas uma dimensão regional, mas de algum modo põe em questão os paradigmas que presidem ao pensamento político moderno e, certamente, uns e outros pela preocupação comum com a justiça.

Os pensadores que irei convocar não são todos da mesma escola filosófica, nem partilham exatamente das mesmas propostas políticas, mas aqui não se trata de impor uma leitura única deste conflito, que possa arrogar-se da verdade, mas de suscitar interrogações e facilitar, eventualmente, o diálogo entre diferentes interpretações.

Como Ana Arendt afirmou, uma vez estabelecido o acordo sobre os factos, é sempre possível o diálogo entre diversas interpretações e esse diálogo é mesmo a essência da vida política.

1. Por que razão é importante contextualizar os trágicos acontecimentos do dia 7 de outubro?

Todos percebemos que a exigência de demissão do secretário-geral das nações Unidas por parte dos representantes de Israel visava impedir a reconstituição do contexto em que os ataques do Hamas de 7 de setembro se inserem: ora, impedir a reconstituição do contexto onde um ação humana se insere, seja ela o ataque de 7 de Outubro , ou o holocausto, implica renunciar a compreender, ficando, por conseguido entregues às peso e à densidade das emoções, que por si sós não nos abrem o futuro.

Ao contrário do que supõem tais embaixadores israelitas, a política nunca pode ser feita apenas das paixões, que sem dúvida, têm um papel importante na história. Para a tradição humanista em que em que também se inseria Ana Arendt, o característico da experiência humana não é apenas o facto de ela nos poder lançar no turbilhão das emoções, mas também o facto de poder ser armazenada e transmitida linguisticamente, e como tal, constituir-se como uma narrativa que pode compreendida e interpretada.

A ação humana e os eventos históricos a que ela dá origem inserem-se numa trama em que ação e reação, paixão e razão se entrelaçam, em ligação com o mundo histórico e linguístico das culturas.

Se seguirmos a cronologia do conflito israelo-palestiniano que se apresenta no power point, com a preocupação de dela fazer uma leitura política, devemos procurar sentir este “peso” da experiência histórica dos dois povos, cujos destinos se entrelaçaram, de maneira trágica, com a nossa própria história, enquanto europeus.

Decorreu mais de cerca de um século desde a fundação do movimento sionista, que remonta ao ano de 1897, ano em que o jornalista judeu autro-húngaro Theodore Herzl escreveu um artigo defendendo a necessidade um Estado Nacional judaico, para onde os judeus pudessem emigrar, a fim de evitar as perseguições de que eram alvo na Europa. Tal artigo deu origem à realização do primeiro congresso sionista e incentivou o fluxo migratório de judeus que se verificou inicialmente sobretudo em direção à América, mas também em direção à Palestina, então administrada pelo império Otomano, onde há séculos os palestinianos viviam pacificamente com os judeus e os cristãos.

Em 1800 a população judaica era de cerca de 2%, correspondendo a 6.700 pessoas, em 1.890 cerca de 42.000 judeus tinham emigrado para aí e a população árabe era cerca de meio milhão; os colonos judeus começaram a comprar terras aos proprietários absentistas, expulsando os camponeses que trabalhavam as terras, o que gerou protestos árabes junto do governo otomano, no ano de 1891

Foi em 1.917 que o governo inglês, na Declaração Balfour proclamou a intenção de ceder uma parte da Palestina para “estabelecer um lar nacional para o povo Judeu”, caso a Inglaterra conseguisse derrotar o império Otomano. Tal declaração foi aprovada pelo Parlamento Britânico e logo transmitida à Federação Sionista da Grã- Bretanha, começando os ingleses desde aí a encorajar e proteger militarmente a emigração judaica para a Palestina. Essa emigração aumentou exponencialmente durante a segunda guerra mundial, em decorrência da política de genocídio levada a cabo pelo nazismo alemão.

Quando os conflitos entre árabes e judeus se começaram a intensificar, os ingleses preparam-se para abandonar a Palestina, o que fizeram no dia 14 de março de 1947, ficando as Nações Unidas com a administração do Território e sugerindo a criação de dois Estados.

A política israelita de conquista de território e expulsão dos palestinianos das suas vilas e aldeias começou quando os ingleses se preparavam para sair, mas foi depois da proclamação do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, que se verificaram expulsões em massa, e se deu a catástrofe, que ficou na memória dos Palestinianos como a NAKBA.

Em 1949 mais de 500 vilas e 10 cidades tinham sido capturadas pelos israelitas,

750.000 palestinianos tinham sido expulsos das suas casas e 13.000 tinham sido mortos. Ilan Pappe, prestigiado historiador israelita, fundador do Centro de Estudos palestinianos na Universidade de Exter e codiretor do Centro de estudos Etnopolíticos na mesma Universidade, investigou metodicamente este período, não só através da consulta de registos escritos, como de múltiplas entrevistas com militares e civis que protagonizarem estes acontecimentos. Na obra publicada em 1921 Ethnical Cleansing, ele apresenta provas sólidas de que se tratou de um crime de limpeza étnica, e que há todos os sinais de que tal limpeza étnica continuou de forma consistente nos anos seguintes, visando a constituição de um Estado com o máximo de território e como mínimo de palestinianos que fosse possível.

O conceito de limpeza étnica, foi definido e tipificado como crime de Guerra após a guerra da Jugoslávia, como “o conjunto de ações levadas a cabo por um determinado povo a fim de, por meio do terror, forçar as populações de um outro grupo étnico a abandonar um território.” Ilan Poppe foi expulso de Israel, e é criticado por alguns historiadores judeus por usar, para fundamentar a tese de que em 1948 as lideranças políticas israelitas iniciaram uma política deliberada de limpeza étnica, as narrativas daqueles que, que como vítimas ou perpetradores, viveram a NAKBA. Porém, como defendia Ana Arendt e é entendimento geral dos que defendem uma conceção hermenêutica das ciências humanas, a condição para se aceder ao sentido da ação humana é estar disponível para compreender o ponto de vista do outro e ousar pensar no âmbito da pluralidade das narrativas, da relatividade e incerteza, que são os limites inultrapassáveis do mundo da vida.

A carta enviada ao New York Times em 2 de Dezembro de 1948 e subscrita por Ana Arendt, Alberto Einstein e um conjunto de outros intelectuais judeus, que agora podem ver projetada, foi motivada por um dos muito episódios de expulsão violenta de palestinianos das suas casas protagonizada pelo então designado “Partido da Liberdade”, liderado por Menachen Begin , partido que daria mais tarde origem ao Likud que está agora no poder.

Lendo hoje essa carta, podemos concluir que a NAKBA continha in nuce a catástrofe humanitária a que agora assistimos, e a mesma limpeza étnica se repete exatamente com contornos ainda mais terríveis em Gaza; de mesmo modo, a indignação dos subscritores da carta pelo facto de os Estados Unidos, enquanto paladinos da liberdade e da democracia apoiarem um líder político fascista, ecoa na indignação dos milhares de pessoas que, no mundo inteiro, se expressam contra a tibieza ou a contra a colaboração dos seus governos em relação ao governo israelita atual.

É sabido que o governo do Likud de Netanayou, resulta de uma aliança com 3 partidos de extrema-direita e 2 partidos ortodoxos extremistas; outras fações do movimento sionista denunciaram nos últimos meses as tentativa deste governo subverter a constituição e de demolir o Estado de Direito, através de de gigantescas manifestações.

Note-se, no entanto, que Ana Arendt não atribuía o conflito Israerlo- palestiniano apenas aos setores de extrema-direita do movimento sionista, mas à própria ideologia sionista, vendo nela uma expressão do mesmo tipo de nacionalismo, que conduzira a Europa o à Primeira Guerra Mundial.

A reclamação, por parte deste movimento de um estado Israelita, coincidente com a nação judaica, isto com é uma identidade étnica, linguística e religiosa parecia-lhe uma ideia perigosa, e destinada a exacerbar os conflitos étnicos com os palestinianos: Ana Arendt previu com rigor a eclosão de um clima de guerra interminável com as populações nativas assim como o isolamento de Israel do médio -oriente e o crescimento do antissemitismo, no resto do mundo, profecias que se hoje se confirmaram cabalmente.

Por seu lado Ilan Pappe, defendeu que a ocupação da palestina foi planeada, decidida e modela por aquilo que ele chama o colonialismo dos colonatos, que também ocorreu nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália e replicou a limpeza étnica praticadas pelos colonos europeus sobre os chamados Povos das Primeiras Nações.

Tratam-se de causas diferentes mas não exclusivas, e, se elas não foram atacadas na suas raiz, podemos esperar a repetição interminável dum ciclo de violência e de impotência, nos anos que hão de vir.

2. A questão da justiça na guerra

Sabemos desde Aristóteles, que a partilha de um consenso sobre o que é o justo e o injusto é o que cimenta a unidade dos povos e o que faz com que nós, diferentemente dos animais gregários, sejamos uma comunidade política. Por isso mesmo, o conceito de justiça foi estendido às relações entre os diferentes povos, e decidiu-se que até mesmo as guerras tinham que salvaguardar um mínimo humanidade no homem. O conceito de guerra justa, elaborado num contexto colonial, pela escolástica peninsular, visava precisamente limitar o direito a recorrer â guerra contra os povos indígenas por parte dos colonizadores portugueses e espanhóis.

Este conceito foi reformulado e atualizado pelo filósofo americano Michael Walzer na obra Just and Unjust Wars, publicada m 1977, a partir da investigação de conflitos atuais, como a guerra do Vietnam ou a guerra do Afeganistão e também pela filosofia política liberal de John Rawls na obra de Law of Peoples, publicada em 1993.

De acordo com Michael Waltzer podemos distinguir 3 tipos logicamente independentes de justiça nas guerras, que ele designou respetivamente como Jus ad bellum, jus in belo e jus post belum.

O direito à guerra ou jus ad belum é limitado pelos dois autores a motivos específicos : Walzer considerava como indiscutível a justiça das guerras pelo direito à autodeterminação, que poderá ser evocado pelos frações armadas palestinianas, uma vez que o seu povo se encontra numa situação de privação do direito a pertencer a um Estado; por seu lado, Rawls reconhecia apenas como circunstância legítima para fazer a guerra a autodefesa, perante uma agressão externa , que é o direito reclamado por Israel, na seuquência do ataque de 7 de Outubro.

Ambos os autores confluem, no entanto, na afirmação da obrigação de, em nome da justiça, os beligerantes se comprometerem em compatibilizar o desenrolar da guerra com a salvaguarda da população civil, e limitam os meios e as operações militares legítimas, ao estrito respeito deste imperativo, em conformidade com que está consignado pelo direito internacional.

Se bem que quer o Hamas, quer o exército israelita violem as exigências da justiça na guerra, o potencial destrutivo e a capacidade de causar dano é muito superior da parte de Israel que tem um dos exércitos mais poderoso do mundo, e usufrui das mais modernas e letais tecnologias de guerra. Os factos mostram que os militares israelitas não usam de qualquer contenção, no planeamento e execução das operações militares, bombardeando indiscrimidadamente militares e civis, homens, mulheres e crianças, hospitais, bairros residenciais e escolas e usam a privação de água, comida e combustível como arma de guerra. Vários militares portugueses, experientes em operações militares internacionais sublinharam publicamente este facto e o historiador israelita Ilan Pappe, defendeu mesmo, em entrevistas à televisão Aljazeera, que a maneira de conduzir a guerra por parte do poder político-militar israelita configura um crime de genocídio.

Soubemos há poucos dias que Netanayou reivindica para o seu governo, depois de dar concluída a guerra, o direito a uma ocupação militar de Gaza por tempo indeterminado; Podemos pois esperar que o post belum se configure como o agravamento da condição desumanas e degradantes a que foi condenada a população palestiniana e temer o prosseguimento da limpeza étnica e de genocídio.


Podemos, pois concluir que, na perspetiva de qualquer uma das duas filosofias políticas aqui invocadas, e independentemente dos motivos de presidiram à decisão de ambos os contendores declarar a guerra, esta se tem desenrolado em flagrante violação dos princípios éticos da justiça, como também o direito internacional.: Não parece também ser exagero afirmar que ela está destruir o já fragilizado consenso dos povos que tem suportado as instituições internacionais,

3. Porque a comunidade internacional não consegue dar um contributo positivo para a resolução do conflito?

O advogado americano Craig Mokhiber, especialista em Direitos Humanos e diretor do Escritório do Alto comissariado das Nações Unidas em Nova York disse, na carta de demissão de 28 de outubro de 2023, que Gaza é um caso clássico de genocídio, acusando os Estados Unidos e a EU de darem cobertura política e diplomática às atrocidades cometidas por Israel. Nessa mesma carta, Mokhiber afirma como motivo da sua demissão a profunda desilusão por, após testemunhar o que aconteceu no Ruanda, em Myamar e com os Rohingya, a ONU falhar novamente em impedir um genocídio.

Acrescenta-se a este fracasso das Nações Unidas, o facto de nenhum Estado ter tomado, por si mesmo, a iniciativa de denunciar os crimes de guerra junto do TPI, ao contrário do que se passou na Ucrânia.

Esta duplicidade dos governos e , em particular dos governos ocidentais, assim como a impotência das instuições internacionais mostram que que estamos cada vez mais longe da “utopia razoável de John Rawls” da constituição de uma comunidade das Nações capaz de assegurar a paz entre os povos. Segundo Rawls numa tal comunidade, o concerto das nações decentes ou dos povos bem ordenados, reger-se- iam pelos seguintes princípios de justiça:

(1°) Os povos são livres e independentes, e a sua liberdade e independência devem ser respeitadas por outros povos; (2°) Os povos devem observar tratados e compromissos; (3°) Os povos são iguais e são partes em acordos que os obrigam; (4°) Os povos sujeitam-se ao dever de não-intervenção; (5°) Os povos têm o direito de autodefesa, mas nenhum direito de instigar à guerra por outras razões que não a autodefesa; (6°) Os povos devem honrar os direitos humanos; (7°) Os povos devem observar certas restrições especificadas na conduta da guerra; (8°) Os povos têm o dever de assistir outros povos vivendo sob condições desfavoráveis que os impeçam de ter um regime político e social justo ou dec
De facto, o conflito israelo-palestiano veio evidenciar a ausência gritante destes ou de outros princípios de justiça, substituídos pela concorrência económicos e pelas lutas pela hegemonia política entre as grandes potências. Mais alto que a justiça e que o direito internacional fala a importância geoestratégica da do médio-oriente, onde se produz cerca de 1/3 do petróleo mundial, e onde passam importantes rotas do comércio internacional.

Temos infelizmente de recordar também que, no mesmo ano de 1948 em que a ONU aprovou a carta dos Direitos Humanos, se deu a NAKBA e se permitiu que a Palestina subsistisse como um caso de exceção de aplicação desses direitos universais;

As instituições internacionais permitiram também irresponsavelmente que Israel, estabelecesse secretamente o seu programa nuclear; não sendo signatário do TNP (Tratado de não proliferação de armas nucleares), as suas instalações nucleares não são submetidas a controle e salvaguarda da Agência Internacional de Energia atómica. A falta de transparência de Israel nesta matéria impede um conhecimento rigoroso do número de ogivas nucleares, calculando-se como sendo da ordem das muitas dezenas e sabe-se que dispõe ainda de mísseis balísticos, aeronaves de combate e submarinos capazes de transportar as ogivas nucleares, desequilibrando os poderes na região e contribuindo para uma corrida ao armamento nuclear.

Infelizmente hoje só podemos temer um alastramento do conflito que inflame toda a região, com riscos de uma catástrofe humanitária maior. Não podemos esperar uma solução política para o a guerra israelo-palestiniano no âmbito das Nações Unidas, nem das potências ocidentais, e isto não apenas por causa da cumplicidade e da teia de interesses, em que os dois povos estão enredados;

Segundo Ana Arendt, a característica dos bios politikos é a diferença, que decorre da multiplicidade humana, assim como a novidade e a imprevisibilidade que decorrem da condição humana da natalidade1.

O apagamento do Outro é igualmente o apagamento do diálogo e, por isso mesmo, a impossibilidade de encontrar qualquer solução propriamente política para os conflitos dos povos,

Nós, cidadãos, que temos os olhos postos em Gaza e as mãos livres segurar o ténue fio da paz , podemos, porém, secundar o Secretário-Geral das Nações Unidas na exigência do cessar-fogo imediato, e apoiar a proposta de Craig Mokhiber de que se coloque os palestinianos sob a proteção internacional de forças das nações Unidas e se reponha a justiça, condenando todos os responsáveis pelos crimes guerra a reparar os danos cometidos às vítimas.

Só depois disso poderão estar criadas as condições para o diálogo e a negociação que constituem o único caminho para uma solução política equitativa.

É um longo caminho, mas que é possível, é o que mostra a história da Europa após a segunda Guerra Mundial.

1 Cf. ARENDT, 1958: 7: “Action, the only activity that goes on directly between men without the intermediary of things or matter, corresponds to the human condition of plurality, to the fact that men, not Man, live on the earth and inhabit the world. While all aspects of the human condition are some how related to politics, this plurality is specifically the condition ‒ not only the conditio sine qua non, but the conditio per quam ‒ of all political life.”


ADSVF-15 de novembro de 2023 Maria Adelaide Pacheco

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