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UMA REFLEXÃO SOBRE O TEMPO QUE ESTAMOS A VIVER

  Por Galopim de Carvalho  Professor catedrático jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Geologia e Sedimentologia. Foi...

terça-feira, 16 de novembro de 2021

O PANTEÃO DOCUMENTADO EM CONIMBRIGA II

 


Professor Catedrático, desde 1991, na Universidade de Coimbra onde ingressou como docente em 1976. Está aposentado desde Julho de 2007. Membro do Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património 

          Religião, relação íntima do Homem com o Divino, constitui domínio de difícil penetração. Haverá construções destinadas ao culto; esculturas a representar divindades; objectos rituais… São, todavia, escassas epígrafes o documento primordial para se saber de divindades veneradas; limitado é, pois, o que se conhece do panteão romano em Terras de Sicó.

            Muitas epígrafes poderão vir a encontrar-se, por exemplo, nas paredes das casas de Condeixa-a-Velha. É que são árulas, de contexto privado, o que se tem – e é, de facto, um conjunto singular! Faltam-nos, porém, os textos oficiais, exarados, verosimilmente, em monumentos maiores que na muralha e nas paredes das casas da aldeia tiveram, seguramente, utilização privilegiada, esquecidos os homens do significado dos estranhos dizeres!

Notável, porém, esse conjunto de pequenos altares domésticos, em que, a par do deus maior, Júpiter Óptimo Máximo, se homenageiam divindades que mais se prendem com devoções particulares: Minerva, os Lares sob diversas invocações, Liber Pater, Aqua (!)… E até as dedicatórias ao Génio de Conimbriga e à cidade em si (considerada como algo de sagrado, porque tem Lares a protegê-la), parecem ter resultado mais de um acto pessoal sem envolvimento de hierarquias.

Propôs Robert Étienne que, no altar dedicado por um indígena – Tangino, filho de Tongina – a I. O. M. C., o C final, em vez de Conservatori como noutros locais acontece, significasse C(onimbrigensi) ou C(onimbrigae). O deus maior dos Romanos, Júpiter Óptimo Máximo, assumiria, desta sorte, roupagem local, à medida dos Conimbrigenses… E tal não seria de admirar, pois que temos também dedicatória Flaviae Conimbrigae et Laribus eius, «à Flávia Conímbriga e aos seus Lares». O culto da ambiguidade era aliciante para o Romano, como o é, nos nossos dias, para os publicitários… Assim, em sigla, terá sido deixado de propósito: cada qual entenda como quiser…

Temos, porém, uns Lares das Águas (Lares Aquites), estranha designação que acentua esse carácter autóctone que as divindades depressa por Terras de Sicó assumiram e reivindicaram. E davam-se-lhes graças por, vinda de Alcabideque, água, de facto, não faltava! Aliás, decerto também devido a esse acentuado localismo, um dos pequenos grupos étnicos, os atrás citados Lubancos, quis ter Lares próprios…

Lugar à parte pode merecer uma dessas árulas mais mimosas: a que Valério Dafino, porventura um liberto, dedica Libero Patri, «o Pai Líber», deus itálico da fecundidade, assimilado a Baco. A expressão Liber Pater, além de parecer mais ‘familiar’, abarca um significado maior: a fecundidade, entendida não apenas no sentido próprio de perpetuação da família através de novas e saudáveis gerações, mas também numa acepção mais ampla, a da prosperidade: próspero é o que vence obstáculos, aumenta o seu prestígio, goza o seu bem-estar… Que melhor bênção haveria de querer Valério Dafino?!

Ocultas (por enquanto, creio) a nossos olhos as solenes dedicatórias maiores, apetece-nos, pois, ficar assim aconchegados a númenes protectores, muito nossos, desprovidos de galas sumptuárias!... Por Terras de Sicó!

 

                                                                                   José d’Encarnação


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