Viriato Soromenho-Marques
Professor catedrático de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa*
Professor catedrático de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa*
Numa
entrevista recente ao Expresso (30 06 2018), o arquitecto Eduardo Souto Moura
interrogado sobre a tragédia do incêndio florestal de 17 de Junho de 2017,
respondeu: “A natureza encarrega-se de destruir o que não interessa (…) há uma
fotografia aérea do terreno de uma dinamarquesa. É um quadrado verde. Ela
plantou carvalhos. O resto é tudo eucaliptos a arder (…) Falhou e ardeu tudo,
excepto o quadrado [com carvalhos] da senhora nórdica…”.
Qualquer leitor que tenha o coração no sítio certo não poderá deixar de concordar com a dolorosa perplexidade do grande arquitecto portuense. Como foi possível Portugal, onde o primeiro eucalipto chegou já bem no século XIX, ser hoje o país com mais área relativa (9% do território) e o quinto em área absoluta ocupada por esta espécie? Depois do ano catastrófico de 2017, esta pergunta não pode ficar sem resposta. Quase meio milhão de hectares ardidos e cerca de 120 vidas horrivelmente perdidas, números sem paralelo com nenhum outro país da OCDE, fazem da questão dos incêndios rurais, uma ferida aberta na nossa identidade como povo. Este país, que já foi um império, é hoje incapaz de proteger o seu território do monstro verde criado pela nossa incúria colectiva.
Qualquer leitor que tenha o coração no sítio certo não poderá deixar de concordar com a dolorosa perplexidade do grande arquitecto portuense. Como foi possível Portugal, onde o primeiro eucalipto chegou já bem no século XIX, ser hoje o país com mais área relativa (9% do território) e o quinto em área absoluta ocupada por esta espécie? Depois do ano catastrófico de 2017, esta pergunta não pode ficar sem resposta. Quase meio milhão de hectares ardidos e cerca de 120 vidas horrivelmente perdidas, números sem paralelo com nenhum outro país da OCDE, fazem da questão dos incêndios rurais, uma ferida aberta na nossa identidade como povo. Este país, que já foi um império, é hoje incapaz de proteger o seu território do monstro verde criado pela nossa incúria colectiva.
Um
corajoso contributo sobre este enigma chega-nos através do livro co-autorado
por João Camargo e Paulo Pimenta de Castro, Portugal
em Chamas. Como Resgatar as Florestas (Bertrand). Os autores, cidadãos
preocupados e investigadores competentes, fazem as perguntas e procuram dar as
respostas, baseando-se em sólida informação empírica. A tese principal é esta
(a simplificação é da minha responsabilidade): a expansão do eucalipto resulta
da combinação entre dois factores: a) uma indústria poderosa, lucrativa e
demasiado influente politicamente; b) um Estado que decidiu deixar o país
agro-florestal entregue aos puros mecanismos de mercado, acabando por “governar
por omissão”.
Na minha perspectiva, não é preciso ter lido Milton Friedman para
não pedir às empresas que pensem noutra coisa que não nos seus lucros. O que é
politicamente chocante é verificarmos como sucessivos governos consentiram em
que a “epidemia de eucaliptos” se espalhasse nos minifúndios abandonados como
uma infecção, sem qualquer espécie de ordenamento e gestão. O que falhou foi o
sistema político. Este Estado, que é poderoso com os mais frágeis e
pateticamente impotente perante os grandes problemas e os grandes interesses. Não
é preciso subscrever na íntegra este livro para perceber que se trata dum
esforço sério e útil. A abundância e virulência dos argumentos falsos ou
laterais com que tem sido atacado, revela que deve ter acertado em cheio nalgum
alvo sensível…
Resgatar
a floresta portuguesa vai durar décadas, mas sem isso, o activo que é o
território ficará amputado. A acreditar nas palavras do governo, “agora é que
vai ser”. Pura ilusão: os dados oficiais indicam que em 2017 foi batido o
recorde de plantação de eucaliptos desde 2013: 18 497 hectares novinhos em
folha (contra apenas 402 de sobreiros)! O famoso “petróleo verde”
transformou-se num minotauro voraz, instalado nos labirintos de desertos
plantados a perder de vista. Lá quase não vive ninguém, mas todos os anos
pagamos um pesado imposto na “época dos incêndios”. Em 2017, o minotauro
começou a exigir um tributo em sangue. Um
país que deixa queimar o seu chão e devorar os seus filhos já não é livre nem
soberano.
Viriato
Soromenho-Marques
Publicado no Diário de Notícias, 15 de Julho de 2018, p. 11.
*Integrou o Conselho Económico e Social, a Comissão Nacional da UNESCO, o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, a delegação portuguesa à Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, em Joanesburgo... Assumiu a coordenação científica do Programa (internacional) Gulbenkian Ambiente e foi Vice-Presidente da rede europeia de conselhos de ambiente (EEAC- European Environmental Advisory Councils) 2010 Integrou, por convite do Presidente da Comissão Europeia, o High Level Group on Energy and Climate Change...
http://viriatosoromenho-marques.com/portal/
*Integrou o Conselho Económico e Social, a Comissão Nacional da UNESCO, o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, a delegação portuguesa à Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, em Joanesburgo... Assumiu a coordenação científica do Programa (internacional) Gulbenkian Ambiente e foi Vice-Presidente da rede europeia de conselhos de ambiente (EEAC- European Environmental Advisory Councils) 2010 Integrou, por convite do Presidente da Comissão Europeia, o High Level Group on Energy and Climate Change...
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