Vítor Serrão
Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde dirige o Instituto de História da Arte e a revista Artis e a Rede Temática de Estudos em Azulejaria e Cerâmica João Miguel dos Santos Simões (RTEACJMSS).
O Mosteiro de Santa Clara-a-Velha em Coimbra, fundado
para freiras clarissas em 1286, junto ao leito do Mondego, e muito enriquecido
por legados da Rainha Santa Isabel, é um dos mais emblemáticos monumentos
góticos nacionais. Vítima de cíclicas cheias, as freiras mudaram-se no século
XVII para um novo mosteiro, mas este persistiu, dignamente, no seu poiso
secular, hoje revalorizado por óptima intervenção museológica.
É junto ao murete da antiga cerca que se descobre a Tasquinha
daTi'Irene. Porque nem só arte e arquitectura são património, creio que
a ti'Irene e a sua família justificam uma palavra de encómio, e uma visita,
escolha adequada para um jantar sem artifícios: trata-se de espaço singelo, por
certo, mas cheio de carácter, aberto no início dos anos 90 não longe do
Portugal dos Pequenitos de Bissaya Barreto, e do em tempos famoso Casino da
Urca (lugar de boémia dos estudantes de Coimbra, que conheci bem, hoje já
desaparecido).
Do pátio da tasquinha admira-se ao longe, em luzes de
crepúsculo, o perfil da Lusa Atenas, que se debruça sobre o grande rio e nele
espraia a sua imagem. A ti'Irene é uma pessoa simpatiquíssima. Beber um vinho
da serra de Sicó, comer um queijo de Rabaçal, um bacalhau rematado com um
néctar de Peso da Régua, paredes meias com a grandiosa casa gótica das
clarissas, é um privilégio que se rememora com muito prazer.
E dá que lembrar também (ossos de ofício de um
historiador de arte) o injustamente esquecido pintor Bernardo Manuel (com
actividade conhecida de 1549 a 1607), que era o melhor da sua modalidade na
Coimbra do tempo, que tanto trabalhou para este mosteiro, e que foi artista da
'entourage' de João de Ruão, a quem policromou várias peças de escultura com um
irrequieto saber de italianizado maneirista.
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