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segunda-feira, 26 de março de 2018

O REGRESSO DE “VIVA LA MUERTE!


Por Viriato Soromenho-Marques

Professor catedrático de Filosofia  na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa*

O que existe hoje de comum entre os EUA, a Índia, a Turquia, as Filipinas, a Rússia, a China ou o Brasil? São governados por homens que, em doses diversas, banalizam no discurso e na prática o uso da violência como instrumento de afirmação do poder, que exaltam a valia de sociedades cultural, religiosa, moral e etnicamente homogéneas, que querem construir muros entre as raças e as classes sociais, que entendem a democracia como a ditadura da maioria numérica, de que eles são os únicos e definitivos intérpretes.

Em doses diversas, esses chefes incomodam-se com os limites constitucionais para a duração dos seus mandatos, que se aprestam a abolir, do mesmo modo que transformam rapidamente os tribunais e a imprensa em correias de transmissão obedientes da sua vontade. Este pano de fundo é importante para perceber a razão que me leva a não considerar o recente assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, 38 anos, como apenas mais um doloroso incidente na tragédia da criminalidade que devora há muito a vida quotidiana no Brasil. Há aqui algo de mais amplo, de “universal-concreto” – para usar um conceito com que o filósofo Hegel significava a sua tese de que o universal não mora no céu das ideias, mas vive na realidade de carne e osso da vida real. Atrevo-me a considerar que o assassinato de Marielle Franco partilha dessa substância transversal, própria dos acontecimentos que não se esgotam no tempo e no espaço em que ocorrem.
Sabemos hoje que um aparente incidente menor, ocorrido em 12 de Outubro de 1936, opondo o venerando reitor da Universidade de Salamanca, Miguel de Unamuno (1864-1936), contra um fanático militar franquista, José Millán-Astray (1879-1954), tornar-se-ia numa espécie de simbólico prefácio à matança generalizada que só terminaria em 1945, 60 milhões de vítimas depois, com a rendição da Alemanha e do Japão. Erguendo-se contra o arruaceiro seguidor de Franco, que proclamou: “Morra a inteligência! Viva a Morte!”, o sábio Unamuno, mesmo perturbado pela pateada da claque falangista presente na Universidade, terá dito: “Vencereis porque tendes força bruta em excesso, mas não convencereis, pois convencer significa persuadir.” Marielle Franco representa tudo aquilo que os novos autocratas odeiam. Ela rompeu com o destino miserável que lhe foi imposto pela lotaria do nascimento. Uma mulher, negra, nascida na favela, bissexual, que pela tenacidade, coragem moral, e talento intelectual franqueia as portas férreas da esfera pública. Uma mulher que se transforma em fonte de inspiração para os mais pobres e marginalizados, uma mulher que é a prova viva de que, apesar de todos os seus erros, a governação de Lula da Silva fez toda a diferença em matéria de esperança social na longa história da desigualdade brasileira. Esta mulher estava destinada a ser o alvo do ódio mortal dos novos seguidores de Millán-Astray.
No planeta em que vivemos, os problemas e as esperanças são cada vez mais globais, digitais e complexas. Das alterações climáticas, à economia, à segurança humana em sentido amplo. Para sobreviver, a humanidade terá de trabalhar em conjunto, está obrigada à cooperação compulsória. Contudo, o novo directório que manda no mundo, um directório onde a cadeira europeia está escandalosamente vazia, é dominado por gente incapaz de sair das fronteiras estreitas da ignorância tribal, analógica e simplificadora. O mundo aspira pela inteligência da inclusão. Quem nele desmanda, pelo contrário, promete terraplanar o futuro, transformando a política numa demente continuação da guerra por outros meios.

Publicado no Diário de Notícias, em 21 de Março de 2018

*Integrou o Conselho Económico e Social,  a Comissão Nacional da UNESCO, o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, a delegação portuguesa à Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, em Joanesburgo... Assumiu a coordenação científica do Programa (internacional)  Gulbenkian Ambiente  e foi  Vice-Presidente da rede europeia de conselhos de ambiente (EEAC- European Environmental Advisory Councils) 2010 Integrou, por convite do Presidente da Comissão Europeia, o High Level Group on Energy and Climate Change...

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