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  Por Galopim de Carvalho  Professor catedrático jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Geologia e Sedimentologia. Foi...

domingo, 25 de março de 2018

AS ACÁCIAS ENTRARAM NA CIDADE




Por Adília Alarcão

Introduzida em Portugal, provavelmente em finais do séc. XVIII, na companhia do eucalipto, a acácia cedo se tornou apreciada, quer pelo seu interesse ornamental, quer pela eficácia com que ajudava a suster taludes e dunas. O seu rápido crescimento tornava-a, ainda, economicamente atraente para a produção de carvão e taninos.

Actualmente, esta simpática exótica constitui, nas suas três variedades mais difundidas entre nós — acácia-mimosa, acácia-de-espiga e acácia-austrália — uma praga insidiosa que tem o país quase todo colonizado, desalojando e destruindo muitas das espécies autóctones, seja pela invasão dos terrenos, seja pela alteração química que neles provoca, tornando-os mais ricos e ácidos.
Com efeito, as acácias formam nas suas raízes relações simbióticas com bactérias fixadoras de azoto que parcialmente consomem, mas em parte se incorpora no solo.


Ora, é sabido como a alteração de um habitat conduz à modificação ou mesmo ao desaparecimento das espécies botânicas que lhes estão associadas, sacrificando por consequência toda a vida animal que delas depende.
Ao empobrecimento da biodiversidade, juntam-se ainda, entre outros danos, a diminuição de água no subsolo, o agravamento de alergia aos pólenes e os riscos de rápida propagação de incêndio.

Todos estes danos estão bem estudados, contabilizados e divulgados por instituições e especialistas dedicados aos problemas da floresta, da agricultura, da biologia ambiental, da paisagem ou da biodiversidade. Meia dúzia de consultas permitem-nos aceder rapidamente, através da internet, a um mundo de informações sobre esta perigosa infestante. 
A carta da sua distribuição no território português é particularmente instrutiva e tão alarmante quanto os números já estimados para as áreas infestadas: um total de cerca de 60.000 hectares, dos quais, um milhar centrado no Parque da Peneda-Gerês.
As estimativas tornam-se alucinantes quando incidentes sobre os milhões de sementes caídas no local mais os milhões que os ventos levam, em todos os sentidos, à distância de quilómetros e que se podem conservar dormentes durante várias dezenas de anos.

Como foi possível chegar a tal situação? Ninguém antes soube prevê-la e preveni-la?!
Na verdade, já em 1937 se regulamentou a plantação de acácias para defesa de pastos, culturas agrícolas e meios urbanos. Os guardas florestais, os cantoneiros e os proprietários continham a sua proliferação.
A partir da década de 70, a situação inverteu-se: emigração, alterações profundas nos serviços estatais, incremento da plantação de eucaliptos, ofereceram às diferentes acácias o habitat perfeito, alargado e sem controlo.
O gradual aumento do número, frequência e dimensão dos incêndios, em todas as áreas rurais, viria a acelerar exponencialmente a multiplicação desta infestante, já pelo transporte de sementes a longa distância, já porque temperaturas elevadas estimulam as sementes dormentes.

Um exemplo dramático de tudo isto encontra-se hoje bem patente em Coimbra. Após o incêndio florestal de 2005, que chegou a lavrar forte na parte norte e oriental da própria cidade, a acácia tem vindo a ganhar terreno a um ritmo veloz e neste princípio de ano, quente e seco, o seu amarelo dourado cobriu encostas, debruou estradas e ruas, salpicou quintas e quintais. Bonito?  Sim, sem dúvida. Perdoa-se o mal que faz pela alegria que traz ao olhar?!

Assim parece, tão grande se mostra a inacção dos proprietários de matas, quintais e jardins, das Juntas de freguesia, dos Serviços camarários, ou mesmo do ICNF, pois a infestação medra na própria Mata de Vale de Canas e seu jardim e estende-se à estrada do Tovim, à circular externa, às avenidas Prof. Gouveia Monteiro e Fernando Namora... à Mata do Botânico.
O caso de Coimbra não é, todavia, único. Esperemos que a mimosa em meio urbano não seja vista pelas autoridades locais como um factor de atracção turística, a exemplo do que, algumas décadas atrás, sucedia em Viana do Castelo e na Lousã.

Erradicar esta espécie de qualquer lugar não é empresa fácil, sobretudo porque exige repetição anual de tarefas de controlo, mas quanto mais tarde, mais difícil e onerosa se torna.
Nos anos 80, a associação que viria a dar lugar à Quercus iniciou, na região de Coimbra, campanhas de sensibilização especificamente orientadas para os problemas destas infestantes.
Já na década presente, o projecto ‘invasoras.pt’ desafiava, de modo aliciante, todos os cidadãos a colaborarem no mapeamento fino das acácias.
Comemorando, em 2017, o Dia Internacional das Florestas, de novo a Quercus alertava para o domínio das espécies exóticas, pedindo mais investimento estatal para o seu combate, através de financiamento, educação, disposições legais.

Volvido um ano, após a trágica vivência dos maiores incêndios ocorridos em Portugal, a mesma organização reclama urgência para a aposta do Estado no controlo das invasoras lenhosas e aponta seis medidas a curto prazo. Esperemos que no projecto em que os governantes estão empenhados, para reordenar a floresta e proteger pessoas e bens, esta reclamação seja entendida e contemplada.   

Quando as acácias entram no espaço urbano, o problema é essencialmente igual ao que provocam no espaço rural, mas a sua dimensão é incomparavelmente menor e bem mais fácil de controlar. Isso basta para tornar inadmissível que elas possam instalar-se e proliferar sem entraves.
Combatê-las é dever de todos, na medida das suas possibilidades, mas o combate programado que urge definir, concretizar e fiscalizar é, antes de mais, uma competência autárquica insofismável.


Publicado no Diário de Coimbra de 26.03.2018

Adília Alarcão.
Received her degree in philosophy and history from the University of Coimbra in 1957; obtained a diploma in conservation at the University of London in 1962, then specialized in Roman archaeology and worked with Jorge Alarcão, Robert Etienne and J. BairrãoOleiro, whom she succeeded in 1967 as Curator of the Conimbriga Monographic Museum.
Engaged in training specialists in conservation and restoration techniques_ Higher School of Conservation and Restore.

After Conimbriga, Curator of the Machado de Castro National Museum of Art


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