Por
Adília Alarcão
Introduzida em Portugal,
provavelmente em finais do séc. XVIII, na companhia do eucalipto, a acácia cedo
se tornou apreciada, quer pelo seu interesse ornamental, quer pela eficácia com
que ajudava a suster taludes e dunas. O seu rápido crescimento tornava-a,
ainda, economicamente atraente para a produção de carvão e taninos.
Actualmente, esta simpática
exótica constitui, nas suas três variedades mais difundidas entre nós — acácia-mimosa,
acácia-de-espiga e acácia-austrália — uma praga insidiosa que tem o país quase
todo colonizado, desalojando e destruindo muitas das espécies autóctones, seja
pela invasão dos terrenos, seja pela alteração química que neles provoca,
tornando-os mais ricos e ácidos.
Com efeito, as acácias formam nas
suas raízes relações simbióticas com bactérias fixadoras de azoto que
parcialmente consomem, mas em parte se incorpora no solo.
Ora, é sabido como a alteração de
um habitat conduz à modificação ou mesmo ao desaparecimento das espécies botânicas
que lhes estão associadas, sacrificando por consequência toda a vida animal que
delas depende.
Ao empobrecimento da biodiversidade,
juntam-se ainda, entre outros danos, a diminuição de água no subsolo, o
agravamento de alergia aos pólenes e os riscos de rápida propagação de incêndio.
Todos estes danos estão bem
estudados, contabilizados e divulgados por instituições e especialistas
dedicados aos problemas da floresta, da agricultura, da biologia ambiental, da
paisagem ou da biodiversidade. Meia dúzia de consultas permitem-nos aceder
rapidamente, através da internet, a um mundo de informações sobre esta perigosa
infestante.
A carta da sua distribuição no
território português é particularmente instrutiva e tão alarmante quanto os
números já estimados para as áreas infestadas: um total de cerca de 60.000
hectares, dos quais, um milhar centrado no Parque da Peneda-Gerês.
As estimativas tornam-se
alucinantes quando incidentes sobre os milhões de sementes caídas no local mais
os milhões que os ventos levam, em todos os sentidos, à distância de quilómetros
e que se podem conservar dormentes durante várias dezenas de anos.
Como foi possível chegar a tal
situação? Ninguém antes soube prevê-la e preveni-la?!
Na verdade, já em 1937 se
regulamentou a plantação de acácias para defesa de pastos, culturas agrícolas e
meios urbanos. Os guardas florestais, os cantoneiros e os proprietários continham
a sua proliferação.
A partir da década de 70, a
situação inverteu-se: emigração, alterações profundas nos serviços estatais,
incremento da plantação de eucaliptos, ofereceram às diferentes acácias o habitat
perfeito, alargado e sem controlo.
O gradual aumento do número,
frequência e dimensão dos incêndios, em todas as áreas rurais, viria a acelerar
exponencialmente a multiplicação desta infestante, já pelo transporte de
sementes a longa distância, já porque temperaturas elevadas estimulam as
sementes dormentes.
Um exemplo dramático de tudo isto
encontra-se hoje bem patente em Coimbra. Após o incêndio florestal de 2005, que
chegou a lavrar forte na parte norte e oriental da própria cidade, a acácia tem
vindo a ganhar terreno a um ritmo veloz e neste princípio de ano, quente e
seco, o seu amarelo dourado cobriu encostas, debruou estradas e ruas, salpicou quintas
e quintais. Bonito? Sim, sem dúvida.
Perdoa-se o mal que faz pela alegria que traz ao olhar?!
Assim parece, tão grande se
mostra a inacção dos proprietários de matas, quintais e jardins, das Juntas de
freguesia, dos Serviços camarários, ou mesmo do ICNF, pois a infestação medra
na própria Mata de Vale de Canas e seu jardim e estende-se à estrada do Tovim,
à circular externa, às avenidas Prof. Gouveia Monteiro e Fernando Namora... à
Mata do Botânico.
O caso de Coimbra não é, todavia,
único. Esperemos que a mimosa em meio urbano não seja vista pelas autoridades
locais como um factor de atracção turística, a exemplo do que, algumas décadas
atrás, sucedia em Viana do Castelo e na Lousã.
Erradicar esta espécie de
qualquer lugar não é empresa fácil, sobretudo porque exige repetição anual de
tarefas de controlo, mas quanto mais tarde, mais difícil e onerosa se torna.
Nos anos 80, a associação que
viria a dar lugar à Quercus iniciou, na região de Coimbra, campanhas de
sensibilização especificamente orientadas para os problemas destas infestantes.
Já na década presente, o projecto
‘invasoras.pt’ desafiava, de modo aliciante, todos os cidadãos a colaborarem no
mapeamento fino das acácias.
Comemorando, em 2017, o Dia
Internacional das Florestas, de novo a Quercus alertava para o domínio das
espécies exóticas, pedindo mais investimento estatal para o seu combate,
através de financiamento, educação, disposições legais.
Volvido um ano, após a trágica vivência
dos maiores incêndios ocorridos em Portugal, a mesma organização reclama
urgência para a aposta do Estado no controlo das invasoras lenhosas e aponta
seis medidas a curto prazo. Esperemos que no projecto em que os governantes
estão empenhados, para reordenar a floresta e proteger pessoas e bens, esta
reclamação seja entendida e contemplada.
Quando as acácias entram no
espaço urbano, o problema é essencialmente igual ao que provocam no espaço
rural, mas a sua dimensão é incomparavelmente menor e bem mais fácil de
controlar. Isso basta para tornar inadmissível que elas possam instalar-se e
proliferar sem entraves.
Combatê-las é dever de todos, na
medida das suas possibilidades, mas o combate programado que urge definir,
concretizar e fiscalizar é, antes de mais, uma competência autárquica
insofismável.
Publicado no Diário de Coimbra de 26.03.2018
Adília Alarcão.
Received her degree in philosophy and history
from the University of Coimbra in 1957; obtained a diploma in conservation at
the University of London in 1962, then specialized in Roman archaeology and
worked with Jorge Alarcão, Robert Etienne and J. Bairrão‐Oleiro, whom she succeeded in 1967 as Curator of the Conimbriga
Monographic Museum.
Engaged in training specialists in conservation
and restoration techniques_ Higher School of Conservation and Restore.
After Conimbriga, Curator of the Machado de
Castro National Museum of Art
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