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UMA REFLEXÃO SOBRE O TEMPO QUE ESTAMOS A VIVER

  Por Galopim de Carvalho  Professor catedrático jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Geologia e Sedimentologia. Foi...

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Os sonâmbulos em Glasgow

Viriato Soromenho-Marques
Professor catedrático de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

A COP26 tem, infelizmente, correspondido e ultrapassado a esperada ausência de expectativas. Não se trata apenas da débil vontade política. Trata-se da pura e simples falta de seriedade. 
Tanto pela gravidade do assunto como pelo direito dos cidadãos a serem informados com respeito. Logo de início, a encenação montada em torno da proteção das florestas esqueceu, convenientemente, o facto de em setembro de 2014 uma declaração semelhante ter sido assinada (sempre de modo voluntário e não vinculativo) em Nova Iorque, numa conferência promovida pelas Nações Unidas. Em vez da ocasião fotográfica, o que haveria a destacar hoje é o enorme aumento da destruição das florestas prístinas, que, se o ritmo assim continuar, tornarão o ano alvo de 2030 numa data em que em vez da sua salvação se assinará a sua certidão de óbito.

No que diz respeito ao progressivo abandono do carvão, a mais poluente fonte de gases com efeito estufa, confirmaram-se os prognósticos mais negativos. Os maiores produtores e consumidores ficaram de fora, mesmo de metas difusas e longínquas. Com isso, verifica-se a exatidão dos resultados de um recentíssimo estudo (Production Gap Report 2021) do Programa de Ambiente das Nações Unidas (UNEP) e do Instituto de Ambiente de Estocolmo (SEI), que confrontavam as reduções de emissões de gases com efeito estufa necessárias para se atingir a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris (um aumento médio da temperatura limitado a 1,5º C), com os investimentos em novas explorações de combustíveis fósseis, declarados pelos principais países. Na verdade, em 2030 o desvio em relação à meta de 1,5 º C poderá ser de 240% para o carvão, de 71% para o gás natural e de 57% para o petróleo. Desde janeiro de 2020, os países do G20 já subsidiaram os combustíveis fósseis em cerca de 300 mil milhões de dólares, superando em muito o apoio às energias renováveis. Noutro estudo, calcula-se que se poderá atingir 2030, não com uma radical diminuição das emissões, como seria necessário, mas com um aumento das mesmas em 16%, relativamente ao ano de 2010.

A mesma obstinação sombria percorre outros assuntos contidos na agenda da COP26. O financiamento de 100 mil milhões de dólares, pedido aos países desenvolvidos para apoio a medidas de mitigação e adaptação dos países em vias de desenvolvimento - uma verba que desde o longínquo ano de 1992 se mantém por atingir -, deverá ficar por cumprir. O mesmo se deverá dizer da agendada discussão do Rule Book, isto é, de regras que confiram algum rigor à métrica e monitorização das promessas dos países, no sentido de aproximar este acordo voluntário de um instrumento mais adulto e eficaz. A COP26 dá-nos uma triste imagem da ausência de poder real e transformador das políticas públicas a nível mundial, incluindo as dos regimes democráticos, todos eles feridos por défices de legitimidade, representatividade e competência. No meio desta deriva, devo salientar a nota positiva que, tudo o indica na hora em que escrevo, será dada pelo parlamento português na esperada aprovação da nossa legislação climática. Portugal será o primeiro país do mundo a incluir na Lei do Clima, como desígnio da nossa diplomacia ambiental junto das Nações Unidas, o reconhecimento do "clima estável como património comum da humanidade". Substituindo, com isso, a fórmula vazia de sentido, que hoje prevalece, do "clima como preocupação comum da humanidade".

DN. Opinião. 06 Novembro 2021

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