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UMA REFLEXÃO SOBRE O TEMPO QUE ESTAMOS A VIVER

  Por Galopim de Carvalho  Professor catedrático jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Geologia e Sedimentologia. Foi...

segunda-feira, 16 de julho de 2018

APOCALIPSES CULTURAIS




Vítor Serrão

Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde dirige o Instituto de História da Arte e a revista Artis e a Rede Temática de Estudos em Azulejaria e Cerâmica João Miguel dos Santos Simões (RTEACJMSS).

Este nosso tempo tornou-se campo triunfal de ultraliberalismos apátridas e voragens etnocidárias. Fim das grandes narrativas, fim das utopias redentoras, fim da cultura e da arte, fim de um mundo tal como o concebemos. Terá mesmo de ser assim ?
Também no nosso país se sente o efeito desse regime de finitudes acéfalas e de escatologias sem redenção possível, um nihilismo absoluto que cheira a cobiça e preconceito e subverte a cultura genuína dos povos. E, contudo, a agenda dos grandes valores está viva: a defesa das identidades e do património de partilha, a saúde do meio ambiente, os direitos sociais e laborais, a consciência de que só com fraternidade e partilha de recursos (e saberes) o nosso mundo faz sentido. Isto é, um mundo com a cultura como traço sentido e vivenciado.
A crónica de António Guerreiro saída hoje no Ípsilon (Público, 13-VII) chama-se «O catastrofismo quotidiano» e recorda justamente, na linha do antropólogo Ernesto De Martino, o conceito de 'apocalipse cultural', que se torna hoje tão preciso na explicação dos cancros da terra. Segundo aquele pensador italiano (autor de 'La fine del mondo', Einaudi, 1977), o conceito que propõs torna-se um instrumento relevante para a análise cultural e a história das ideias: ele «chama apocalipses culturais aos momentos em que se dá uma forte sensação de perda, uma sensação que não é só física, orgânica, mas também psiquica».
Ora aquilo que designamos por História continua o seu trilho, e o nosso tempo -- um traumatizado tempo sem valores perenizáveis -- encontra neste conceito um útil pretexto de revisitação colectiva. «Eppure si muove»: olhar com coração as coisas em volta e prescutar os seus saberes. Esta, sim, é a única agenda verdadeiramente progressista.
De novo é dada a voz à Política com causas: é preciso seguir as dinâmicas culturais, e contrariar todo e qualquer catastrofismo instalado.



Vale das Buracas de Casmilo, Condeixa: ainda há muitos micro-paraísos que a desmemória galopante tende a subverter, mas até por isso se impõe travar os cancros catastrofísticos que nascem da Deusa Ignorância.

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