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UMA REFLEXÃO SOBRE O TEMPO QUE ESTAMOS A VIVER

  Por Galopim de Carvalho  Professor catedrático jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Geologia e Sedimentologia. Foi...

sexta-feira, 16 de julho de 2021

A loucura dos estrangeirismos

José d' Encarnação

Professor Catedrático, desde 1991, na Universidade de Coimbra onde ingressou como docente em 1976. Está aposentado desde Julho de 2007. Membro do Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património

      Pergunto-me, amiúde, se vale a pena uma pessoa indignar-se. É assim a modos de, em termos pessoais, fazermos um tratamento psicológico. Uma pessoa deixa extravasar a momentânea raiva que lhe vai na alma e depois sente-se melhor. Daniel Oliveira, no seu excelente programa «Alta definição», que passa na SIC no começo dos sábados, entrevistou, a 23 de Abril p. p., o nosso melhor tenista, João Sousa, e perguntou-lhe, a dado passo, se já lhe dera para partir a raquete. Sim, claro, já partira! «Para aliviar a raiva!».

            Não vou partir nenhuma raquete nem um prato sequer. Lavro mui singelamente aqui a minha indignação, até porque acredito cada vez menos nas instituições tal como elas hoje são geridas.

            ‒ E podes, de uma vez por todas, explicar porque estás indignado?

            ‒ Sim. É muito simples: a minha Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, alfobre de tantos luminares que, séculos afora, terçaram armas pela defesa da Língua Portuguesa, decidiu veicular as suas informações através de uma… newsletter!

            Barafustei, claro, e dei conta das mil e uma hipóteses de designar esse veículo. Debalde. É moda, menino, é moda! E também já não há cartazes, mas posters; não temos desdobráveis, mas flyers. E corre voz que as reuniões do Conselho Científico deverão passar a chamar-se… brainstormings, cujos membros serão, pois, convocados através de uma mailing list…

            Workshop; outdoor; meeting; call for papers; know how; derby;«ganhar a confiança do mister»; OK; feedback... – enchem, como tantas outras, o nosso quotidiano. Mais compreensíveis, porventura, as que estão ligadas à linguagem informática, universal: e-mail, download, refresh; reset – mas… que razão há para as transpor pró dia-a-dia?…

            Segundo motivo de indignação: o mal que se escreve, a todos os níveis. Dou um exemplo de uma dissertação de Mestrado em Administração Pública, oficialmente orientada (claro!) por um docente doutorado, aprovada por digno júri e de 81 páginas disponibilizadas na Internet, certamente após nela terem sido introduzidas as correcções exigidas aquando  da defesa.

            O objectivo em vista era saber se o Município de Cascais, em relação ao Estado e à sociedade civil representava o papel de «ponte», se se assumia «enquanto “fórum” conciliador» e se «tem vindo a expandir o seu potencial». Não sei ainda bem o que isto quer dizer e como se detecta. Transcrevo um parágrafo, em que se faz a história de uma freguesia. Assim:

             «A paróquia de São Vicente de Alcabideche diz respeito ao final do século XIV, o mais antigo livro de atas da Junta de Paróquia, conservado no cartório da igreja, remete a sua conceção, em novas matrizes, para 26 de setembro de 1841, fato que parece derivar da lei datada do ano anterior, edificando [sic] que a presidência destas juntas era da responsabilidade dos párocos» (p. 61).

            «Professor, não entendi nada» – escreveu-me uma licenciada que teve aceso ao texto e que acrescentou: «Quando andei a consultar algumas dissertações de mestrado para a minha tese de licenciatura, também encontrei algumas pérolas de má construção gramatical, pobre discurso e linguagem, mas eram teses de arquitectura e eu pensei que isso não fosse um requisito para elaboração de teses de arquitectura».

            «Não fosse um requisito…» – será que assim se pensa agora?

            Escreve-se mal. E fala-se mal, comendo metade das sílabas – por isso não somos compreendidos numa reunião científica internacional. É que nós dizemos «Ê vô tlefoná»; e o brasileiro diz «Eu vou têlêfoná!». Se compreende, não?


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