Por António Santos Veloso,
Ex-administrador do projeto do Baixo-Mondego
Finalmente está a decorrer em
bom ritmo a intervenção de desassoreamento do Mondego em Coimbra, cuja situação
era escandalosa; já nem o Basófias conseguia navegar!
A causa da não realização de
dragagens na albufeira deste açude de Coimbra durante as suas quatro décadas de
existência é a mesma das cheias evitáveis do Mondego: a indefinição sobre quem
gere, financia e conserva as diferentes estruturas que o programa de
desenvolvimento regional e hidroagrícola do Baixo-Mondego construiu e que em
qualquer país evoluído merece uma organização rigorosa, inclusive a
coparticipação dos beneficiários na gestão e no financiamento da conservação
das diferentes estruturas da obra. Pela mesma razão há outras situações graves como
o estado de ruína das estradas de serviço aos campos do Mondego, mesmo nos
locais de acesso a turismo ecológico e ao centro hípico, e a mesma indefinição
quanto à conservação dos diques! Mas o caso mais grave será o da gestão do
complexo de Barragens da Aguieira, que teve como objetivo principal evitar as
cheias e proporcionar a rega nos campos do Mondego, o qual é atualmente gerido segundo
os interesses predominantes da produção de eletricidade, conduzindo a cheias
evitáveis.
Esta situação caótica
adivinhei-a quando, como administrador do projeto do Mondego, me avisaram que o
Primeiro-Ministro vinha inaugurar o funcionamento do grande canal de rega sem
que estivesse definido o sistema de gestão da água e o respetivo preço. Um
projeto desta complexidade não pode ser executado sem um estudo da sua forma de
gestão, integrando os objetivos de desenvolvimento regional, de proteção civil,
de economia de funcionamento e de conservação, em especial quando em Portugal
não existe nenhuma descentralização para o nível regional, o que também impede
a adoção de medidas e atividades deste tipo, bem como a do inexistente
desenvolvimento agrorural, que ultrapassam a competência dos municípios. No
caso do Mondego o que valeu foi o Secretário de Estado da Agricultura, Gusmão,
um agrónomo que ao serviço das Nações Unidas adquiriu experiência nestes
domínios, o qual responsabilizou o chefe do projeto hidroagrícola em animar a
promoção de uma associação de beneficiários agrícolas. Ainda hoje são os únicos
beneficiários a cogerir o funcionamento do seu sistema de rega e drenagem e a
pagar, de forma clara e pública, a água que consomem. A situação do pagamento
da água pela indústria não sei! A centralização a que somos obrigados tem
razões muito profundas…
Tudo isto a propósito das
lampreias, das enguias e do sável, um recurso gastronómico e turístico de valor
apreciável que o nosso egoísmo geracional não se preocupa em fazer chegar aos
nossos netos. Não pensa assim a Polícia Marítima que perde noites caçando as
redes (mais de 400 por ano) dos criminosos que pescam os juvenis da fauna
piscícola em operações de extermínio, ganhando fortunas que escapam ao fisco.
Mas enquanto em períodos de migração se defendem estas espécies na zona
estuarina do Mondego, a montante do açude dragam-se areias que são devolvidas
ao rio a jusante, onde fazem falta ao equilíbrio dos leitos e diques. Tudo isto
estaria muito certo caso fosse uma operação regular, periódica, fora da época
de migração e reprodução destas espécies. Neste caso, por falta de um poder
administrativo da obra ou regional, não existe capacidade para aplicar as
medidas de política que cada região impõe, nem força política capaz de incluir
em Orçamento de Estado ninharias como esta do desassoreamento do açude ou da
conservação dos diques; o que ruiu em 2001 causou o caos e a destruição nos
campos do Mondego! A propósito: a Proteção Civil, incluindo a de nível
municipal, já dispõe do armazenamento de sacos de areia para combater a
possibilidade de nova ameaça de rotura dos diques?
E, nesta situação, a Câmara
Municipal de Coimbra, que arcou com os pesados encargos da dragagem do rio,
fica também com o ónus da não resposta ao problema da proteção das espécies,
enquanto o leviano Estado central se acoberta à sombra da sua inação! É o
Estado, perante o qual qualquer governo soçobra sempre que há necessidade de
políticas finas de desenvolvimento, e que merecemos pela nossa falta de
cidadania, enquanto o fogo nos leva quase metade das Beiras em pouco mais de uma
noite.
Publicado no Diário de Coimbra (19/02).
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