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sexta-feira, 16 de março de 2018

As Lampreias, Enguias e Sável Que Tanto Apreciamos.E a Obra do Baixo-Mondego




Por António Santos Veloso,
Ex-administrador do projeto do Baixo-Mondego

Finalmente está a decorrer em bom ritmo a intervenção de desassoreamento do Mondego em Coimbra, cuja situação era escandalosa; já nem o Basófias conseguia navegar!

A causa da não realização de dragagens na albufeira deste açude de Coimbra durante as suas quatro décadas de existência é a mesma das cheias evitáveis do Mondego: a indefinição sobre quem gere, financia e conserva as diferentes estruturas que o programa de desenvolvimento regional e hidroagrícola do Baixo-Mondego construiu e que em qualquer país evoluído merece uma organização rigorosa, inclusive a coparticipação dos beneficiários na gestão e no financiamento da conservação das diferentes estruturas da obra. Pela mesma razão há outras situações graves como o estado de ruína das estradas de serviço aos campos do Mondego, mesmo nos locais de acesso a turismo ecológico e ao centro hípico, e a mesma indefinição quanto à conservação dos diques! Mas o caso mais grave será o da gestão do complexo de Barragens da Aguieira, que teve como objetivo principal evitar as cheias e proporcionar a rega nos campos do Mondego, o qual é atualmente gerido segundo os interesses predominantes da produção de eletricidade, conduzindo a cheias evitáveis.
Esta situação caótica adivinhei-a quando, como administrador do projeto do Mondego, me avisaram que o Primeiro-Ministro vinha inaugurar o funcionamento do grande canal de rega sem que estivesse definido o sistema de gestão da água e o respetivo preço. Um projeto desta complexidade não pode ser executado sem um estudo da sua forma de gestão, integrando os objetivos de desenvolvimento regional, de proteção civil, de economia de funcionamento e de conservação, em especial quando em Portugal não existe nenhuma descentralização para o nível regional, o que também impede a adoção de medidas e atividades deste tipo, bem como a do inexistente desenvolvimento agrorural, que ultrapassam a competência dos municípios. No caso do Mondego o que valeu foi o Secretário de Estado da Agricultura, Gusmão, um agrónomo que ao serviço das Nações Unidas adquiriu experiência nestes domínios, o qual responsabilizou o chefe do projeto hidroagrícola em animar a promoção de uma associação de beneficiários agrícolas. Ainda hoje são os únicos beneficiários a cogerir o funcionamento do seu sistema de rega e drenagem e a pagar, de forma clara e pública, a água que consomem. A situação do pagamento da água pela indústria não sei! A centralização a que somos obrigados tem razões muito profundas…
Tudo isto a propósito das lampreias, das enguias e do sável, um recurso gastronómico e turístico de valor apreciável que o nosso egoísmo geracional não se preocupa em fazer chegar aos nossos netos. Não pensa assim a Polícia Marítima que perde noites caçando as redes (mais de 400 por ano) dos criminosos que pescam os juvenis da fauna piscícola em operações de extermínio, ganhando fortunas que escapam ao fisco. Mas enquanto em períodos de migração se defendem estas espécies na zona estuarina do Mondego, a montante do açude dragam-se areias que são devolvidas ao rio a jusante, onde fazem falta ao equilíbrio dos leitos e diques. Tudo isto estaria muito certo caso fosse uma operação regular, periódica, fora da época de migração e reprodução destas espécies. Neste caso, por falta de um poder administrativo da obra ou regional, não existe capacidade para aplicar as medidas de política que cada região impõe, nem força política capaz de incluir em Orçamento de Estado ninharias como esta do desassoreamento do açude ou da conservação dos diques; o que ruiu em 2001 causou o caos e a destruição nos campos do Mondego! A propósito: a Proteção Civil, incluindo a de nível municipal, já dispõe do armazenamento de sacos de areia para combater a possibilidade de nova ameaça de rotura dos diques?
E, nesta situação, a Câmara Municipal de Coimbra, que arcou com os pesados encargos da dragagem do rio, fica também com o ónus da não resposta ao problema da proteção das espécies, enquanto o leviano Estado central se acoberta à sombra da sua inação! É o Estado, perante o qual qualquer governo soçobra sempre que há necessidade de políticas finas de desenvolvimento, e que merecemos pela nossa falta de cidadania, enquanto o fogo nos leva quase metade das Beiras em pouco mais de uma noite.

Publicado no Diário de Coimbra (19/02).

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