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  Por Galopim de Carvalho  Professor catedrático jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Geologia e Sedimentologia. Foi...

sábado, 28 de agosto de 2021

A riqueza da língua portuguesa

 


José d' Encarnação

Professor Catedrático, desde 1991, na Universidade de Coimbra onde ingressou como docente em 1976. Está aposentado desde Julho de 2007. Membro do Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património  

    A riqueza da língua portuguesa – em comparação, então, com a pobreza, mais do que franciscana, do inglês – deve ser posta em realce.

    Nós temos palavras para tudo e ‘saudade’ será, sem dúvida, a primeira palavra que nos ocorre, por sempre se ter considerado única no mundo com essa conotação tão específica. Saudade não é melancolia, não é tristeza, não é ausência – é isso tudo!... Aparentemente, terá derivado do vocábulo latino salutatem, que os dicionários não registam. Prender-se-á com salus, saúde; com salutare, saudar… Ao particípio salutatus se poderá dar o significado de «adorado». E saudade é esse amor, essa adoração por algo que está ausente e cuja falta nos dói...

    Quando estive na Roménia, país de língua românica, como se sabe, falaram-me de «dor». Dor é, para eles, o equivalente à nossa saudade. E, se atentarmos bem, saudade é esse sentimento que nos aperta o coração, uma dor sui generis, mas… dor! Roménia e Portugal por aí singram, então.

    A riqueza do nosso vocabulário radica no facto de nos situarmos em privilegiada zona de passagem. Há etimologias latinas, gregas, visigóticas, árabes, do longínquo Oriente… E dos árabes, por exemplo, recebemos mui fecundo manancial de vocábulos concretos: nós dizemos azeitona, almanxar, alcoviteira!... Aliás, é nessa terminologia concreta que radica a nossa grande originalidade e, por outro lado, a grande dificuldade de falantes diferentes de nós lograrem captar o significado de muitas frases.

    Foi-me dado o privilégio de ensinar português a Peter Koj, professor da Escola Alemã de Lisboa, hoje um grande divulgador da língua portuguesa em Hamburgo, sua terra natal, para onde se retirou aquando da aposentação. Hamburgo, a cidade mais portuguesa da Alemanha. Um dia, deu-lhe na veneta coligir as palavras e locuções nossas com o significado de «fugir», pôr-se na alheta, escapulir-se, dar às de vila-diogo…! Chegou à centena e não ficámos certos de que o rol estivesse completo. O mesmo em relação a embebedar-se, apanhar uma piela, estar alegre, ter um grãozinho na asa… Um nunca-mais-acabar!...

ooo

    Depois daquele longo período em que o Latim era a língua universal; depois do século XIX e primeira metade do século XX em que o Francês predominava, instalou-se agora a tirania do inglês, de tal maneira que se determinou: ou escreves em inglês ou arriscas-te a não ver valorizado nenhum dos teus escritos. E não é valorizado porque os avaliadores não compreendem o português.

    E agora pergunto eu: se não escrever em português estou a contribuir para que a nossa língua mantenha o estatuto que hoje detém de uma das mais faladas no mundo? Quem é que está mal? Os que não querem aprender português ou eu que não desisti de escrever na minha língua?

E o grave é que essa opção assumiu foro oficial, a nível da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que, para ter ‘estatuto’, contrata avaliadores internacionais, os quais, na maioria dos casos, da língua portuguesa conhecem apenas mui leves rudimentos. Claro, por isso, é que ditatorialmente se decretou que é em inglês que se deve escrever. Uma língua paupérrima a tentar adaptar-se a um idioma vetusto de quase dois milénios, riquíssimo das mais variadas contribuições!...

    Diria o nosso sempre oportuno Gil Vicente: e así se hacen las cosas! Em castelhano, pois – que, no seu tempo, era língua culta e todos a entendiam muy bien!


José d’Encarnação

10 comentários:

  1. Professor Doutor José d'Encarnação: Meu grande aplauso! O que está acontecendo à língua Portuguesa é mesmo uma desgraça nacional. Um escândalo que desonra a Nação. Outrossim, um atentado à soberania de Portugal!

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    1. Bem haja, meu caro Brasilino! Com homens da sua têmpera, venceremos a guerra, batalha após batalha! Um abraço!

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  2. Senhor Doutor concordo, plenamentecom toda a sua verdade.Até sinto tristeza ao verificar que até parece que fazem luxo em utilizar palavras inglesas quando deveriam orgulhar-se da nossa bonita e rica língua! Os meus cumprimentos!

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    1. Bem haja, mesmo 'desconhecido'! Agradeço os cumprimentos com o portuguesíssimo «bem haja», até para evitar que, inadvertidamente, saia um «obrigada!», que hoje até somos capazes de ouvir da boca de homens, quando 'obrigado!' é uma interjeição (não um adjectivo) e, portanto, palavra invariável!

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  3. Um abraço. Mas não nos ouvem... Quanto à Soberania com S maiúsculo, por onde anda?

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  4. Se nem se sabe que Soberania com maiúscula é bem diferente dela com minúscula!...
    Quanto a não ouvirem, cada vez há mais empresas a venderem próteses auditivas...

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  5. Com o devido respeito pelo autor deste texto, que não conheço pessoalmente, as ideias aqui expressas parecem reflectir uma visão paroquial e patrioteira da linguagem e da universidade (para não dizer “nacionalista”, dado as negativas conotações – para alguns – desta palavra).

    Gostaria que o autor explicasse como se mede a riqueza duma linguagem. Sem quantificação ou fundamentação em dados, dizer que língua portuguesa é muito rica é uma mera opinião. E uma opinião suspeita de enviesamento por ser a língua materna do autor. Poderemos medir a riqueza duma língua pela quantidade de palavras? Pela abundância da produção de narrativas escritas e orais? Pelas diferentes origens? Pela quantidade de pessoas que se expressam nessa língua?

    1) Quantificar o número de palavras numa língua não é tarefa trivial, como qualquer linguista saberá. Nem é de todo lógico assumir que mais palavras significam mais riqueza da língua ou do pensamento. Ainda assim, aqui ficam algumas referências que indicam que o inglês, essa língua “bárbara”, contém mais vocábulos que o português, ou pelo menos não fica muito atrás.

    ' Este critério leva-nos a dizer que o vocabulário inglês corresponde ao dobro do vocabulário da língua portuguesa.'
    https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/sobre-o-numero-de-palavras-das-linguas-portuguesa-e-inglesa/13099 [consultado em 01-09-2021]
    https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_dictionaries_by_number_of_words

    2) Poderemos usar a produção de narrativas escritas ou orais como índice da riqueza duma língua? Dificilmente, dado que isso reflecte muitos outros factores, como o número de pessoas que se expressam nessa língua (quanto mais pessoas, mais histórias). Não sendo folclorista (um anglicanismo), não parece que as coleções de Adolfo Coelho ou Teófilo Braga (entre outros) sejam maiores ou melhores que as reunidas pelos Irmãos Grimm, Perrault, Andersen ou pelos compiladores das Mil e Uma Noites, por exemplo.

    Ao contrário de alguns comentadores públicos, não creio que na sua apaixonada defesa da língua portuguesa o autor partilhe do basilar e redutor chauvinismo de achar que Camões ou Pessoa são superiores a Shakespeare, Goethe, Homero, Virgílio, Lagerlöf, Proust, Rumi, Sun Tzu, ou que aos autores dos Vedas e dos Upanixades, às narrativas da Bíblia/Tora e, enfim, aos autores famosos e anónimos das grandes obras da literatura mundial, expressas nas mais diversas línguas. Mas a “língua paupérrima”, como o autor designa o inglês, produziu algumas das melhores obras de poesia, literatura e filosofia da Humanidade (Chaucer, Shakespeare, Hobbes, Locke, Hume, Scott, Dickens, Whitmann, Wollstonecraft, Percy, Byron, Elliot, Hemingway, etc, etc, etc). É uma questão de gostos, claro, mas por comparação parece que o português tem a lira destemperada e a voz enrouquecida, vive num contentamento descontente, e mora no rés-do-chão do pensamento.

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  6. 3) É também simplista acenar com as origens árabes e latinas do português como evidência da sua superioridade, quando o mesmo pode ser dito do espanhol, catalão e do italiano, ou quando o inglês é uma mistura riquíssima de línguas latinas, germânicas e célticas; ou línguas que são crioulas na sua origem, como por exemplo o Yiddish. Muitos países e regiões se localizam em “em privilegiada zona de passagem”, desde logo a vizinha Espanha, o centro da Europa e o Norte de África. Aliás, parece-me que pouquíssimas línguas no mundo terão uma origem pristina e serão livres da influência de outras línguas.

    Todas as línguas são dinâmicas e estão constantemente a importar vocábulos ou expressões. E todas têm singularidades como o exemplo apresentado das várias formas para “fugir” em português. Nas minhas singelas quatro décadas de vida assisti à assimilação de várias palavras em inglês, mas também de vários vocábulos de línguas africanas (“bué”, “chunga”), de palavras que mudam por influência do inglês (“massivo” em vez de “maciço”, e já apanhei na TV alguém a dizer “arqueologistas”), assim como palavras de outras línguas que passaram a uso corrente (“troika”, “sushi”, “jazz”, “karaté”, “apartheid”, “taliban”, “bibelot”, “tapas”, “lasanha”, “gulag”, etc). Tudo isto é normal e enriquece a língua. Impede a sua fossilização. Amiúde, isto incomoda muitos espíritos conservadores (espero que Jose d’Encarnação não seja um deles). Como saberá melhor que ninguém, os clássicos romanos referem amiúde os queixumes de alguns aristocratas republicanos sobre o decadente hábito de aprender grego que levaria inevitavelmente à decadência de Roma. O que não impediu, já no período imperial, Marco Aurélio de escrever a sua magistral obra em grego… sendo imperador, duvida-se que a intenção fosse agradar aos avaliadores.

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  7. 4) Quanto às jeremiadas sobre a “tirania do inglês”, parece-me que uma investigadora* seja em arqueologia, química, astronomia ou história, desejará que o seu trabalho chegue ao maior número possível de pessoas. A menos, claro, que por sentimento de insegurança intelectual tenha medo de confrontar as suas ideias com uma audiência vasta. Se esta investigadora está apaixonada pelo seu tema e quer divulgá-lo, parece-me assaz natural que o publique na língua franca científica da sua época. Por contingências históricas essa língua é hoje o inglês, tal como em tempos foi o grego, depois o latim, houve períodos da Idade Média em que era essencial dominar o árabe, e no Iluminismo era necessário saber francês. No futuro talvez seja o mandarim, quem sabe? Em certas áreas do saber, outras línguas ainda são de rigueur (um francesismo). As engenharias ainda usam muito o alemão, e a genética de plantas ainda requer algum conhecimento de russo.

    A mim parece-me essencial que os trabalhos arqueológicos no território português, e as ricas questões que muitos deles levantam, sejam divulgadas ao maior número possível de pessoas. É irrealista – e duma pequenez provinciana - esperar que uma arqueóloga japonesa ou australiana vá aprender português ou procurar uma tradutora para perceber uma escavação de Conímbriga. Por outro lado, graças à abismal melhoria do nosso sistema educativo no pós 25 de Abril e ao facto de já não estarmos “orgulhosamente sós”, não faltam pessoas que possam escrever relatórios e artigos num inglês perfeito.

    Há muitas e variadíssimas críticas que se podem fazer à FCT. Mas uma melhoria extraordinária foi os júris de concursos passarem a ser internacionais. Isto quebrou – em parte - as famosas “capelinhas” académicas que abafa(va)m a vida nas universidades portuguesas. A avaliação por júris internacionais impede que se perpetuem velhos métodos, que se desperdice dinheiro público a remexer constantemente temas que são relevantes apenas para meia dúzia de pessoas. Ou pelo menos exige da parte dessa meia dúzia de pessoas um esforço para explicar a importância e relevância desses temas, no confronto com a relevância de outras questões que outras académicas acham cruciais. Algo que dificilmente aconteceria com projectos escritos em português, pelas mesmas pessoas de sempre, avaliadas pela malta do costume, com os resultados frequentemente conhecidos de antemão.

    No caso da arqueologia (como em todas as áreas científicas), a avaliação por pares internacionais faz com que haja sangue novo, novas abordagens, novas visões, novas questões. Não porque o que é estrangeiro seja melhor (por vezes é, por vezes não), ou porque a novidade merece ser endeusada, mas porque os concursos se tornam mais objectivos, criteriosos e plurais. Os projectos e bolsas a serem financiados necessitam de ser justificados pela sua relevância, novidade, interesse, contribuição original para o avanço do conhecimento e não apenas por serem a continuação do trabalho de vetusta Professora X ou digníssima Académica Y e suas acolitas. Por mais relevante que esse trabalho tenha sido ou seja ainda. A ciência em particular, e a vida intelectual portuguesa em geral, beneficiam imenso com isso. O mero acto de escrever artigos e projectos numa língua franca (inglês) permite divulgar internacionalmente o que de melhor se faz por cá, gera dinâmicas cosmopolitas e aumentará sem dúvida os recursos e o impacte de escavações e da investigação feita no nosso território, projectando internacionalmente a excelência que por cá existe.

    Respeite-se, no entanto, a opinião dos que acham que é apenas “… fraudulento gosto, que se atiça / C'uma aura popular (…) Nomes com quem se o povo néscio engana!”

    Com os melhores cumprimentos e um agradecimento pelo post provocador e estimulante.

    Hugo

    * numa cedência a modernices anglo-saxónicas e ao que alguns cínicos chamariam “ditadura do politicamente correcto”, permito-me a fuga à convenção e o uso do feminino como género pré-definido. Liberdades que a língua portuguesa permite.

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  8. Caro professor
    Li o seu artigo, assim como os comentários que lhe foram feitos. Atrevo-me a dizer que isto das línguas não é coisa simples de abordar, porque o nomadismo intrínseco ao ser humano tem criado um emaranhado de influências que nos permite afirmar que não há línguas puras. Linguisticamente não associamos a origem da língua portuguesa ao inglês, mas também é certo que a língua inglesa nos " roubou" palavras que terão resultado de apropriações movidas pelo encontro entre povos. Os ingleses não têm outra palavra para "auto-da-fé", a qual usam com o mesmo sentido que nós. Também a "marmelade" que terá origem nos nossos marmelos. Enfim,uma língua é sempre o resultado da história do povo a fala, das interações que mantém com outros sejam elas boas causas ( viagens culturais) ou causas menos dignas como as guerras, as conquistas ou derrotas. É por isso que o inglês, tal como o português , não são línguas puras, mas sim muito marcadas pelos intensos contactos que foram estabelecendo entre si e com outros povos ao longo dos tempos. Na realidade, o que é importante é que neste mundo global em que nos posicionamos encontremos formas de nos entender e comunicar. E o inglês é sem dúvida uma das línguas mais influenciadas por muitas outras línguas. Talvez, por isso tenha "usurpado" esta condição universalista, a que todos , académicos incluídos, tem servido.Dito isto, confesso a minha frustação pelo meu deficiente domínio do inglês.

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